Enfim, zarpa a nau tucana (2010)




Arca de Noé que levará as aves em risco de extinção a porto seguro? Titanic, em que a orquestra continuará a tocar enquanto, ordenadamente, os passageiros pulam do barco? Ou Bateau Mouche, sem sobreviventes?
Na chegada ao centro de convenções, as faixas davam o tom: “DEM-DF com Serra Presidente e Fraga Governador”, “Vereador fulano de tal, de Planaltina de Goiás está com Serra”, enorme fila de ônibus interestaduais, bandeiras citando este ou aquele candidato a governador. Titanic?
Depois de mais de 2 horas de espera, quando se ouviam sucessos da MPB, Chão de giz, deprimida canção de autoria de Zé Ramalho, foi a música que embalou a chegada da grã-tucanagem ao palco. Sim, no exato instante do momento de glória retratado acima por O Globo, os alto falantes soavam Elba Ramalho:
“Disparo balas de canhão / É inútil, pois existe / Um grão-vizir
/ Há tantas violetas velhas
/ Sem um colibri
/ Queria usar quem sabe
/ Uma camisa de força
/ Ou de vênus
/ Mas não vou gozar de nós
/ Apenas um cigarro
/ Nem vou lhe beijar
/ Gastando assim o meu batom...”
Olhe novamente a foto e creia. E ainda:
“Agora pego
/ Um caminhão na lona
/ Vou a nocaute outra vez
/ Prá sempre fui acorrentado
/ No seu calcanhar
/ Meus vinte anos de "boy"
/ That's over, baby!
/ Freud explica...” Bateau Mouche?
Os apitos distribuídos tornavam o ambiente insuportável aos ouvidos. Márcio Fortes, se vê logo, é o dono da festa, dizendo a todos o que fazer, de FHC aos seguranças, solicitando que só os oradores ficassem no palco, fundamental para que Ana Hickman, de pretinho básico e ombros de fora, brilhasse acima das aves de pequena estatura, com seus quase 2 metros de altura e seus 5 seguranças. Uma centena resiste, mas aos poucos o palco é so da loira e de seus seguranças, como se os tucanos ainda empoleirados no palco pudessem representar perigo para a loira.
Quando Sérgio Motta, quando deu a dica “não se apequene”, não estava pensando nisso, mas com Ana Hickmam é impossível, principalmente pra FHC.

A impressão é de amadorismo na criação, direção de arte, produção e organização do evento, exceto pelos ônibus e lanches fartamente distribuídos. Estéticamente, lembrava os piores momentos da Vasp, o painel com “imagens do Brasil turístico” e vídeos idem. Esqueceram de “Gente em primeiro lugar”.
Enfim, vamos lá: Hino nacional com Graça Cunha (quem? Ah, sim, do Altas Horas), que, soltinha, passeia pelo palco, se emociona, se dirigigindo a todos, inclusive aos seguranças, e quase chora ao final. Um “show”.
Finalmente, começa o evento. Antes dos discursos, a loira cita mais de 20 “personalidades” presentes, destacando de última hora, por conta de um bilhete, a presença de Roberto Jeferson, e dos presidentes do PMN e do PSC. Bateau Mouche?
Sob o mote “Um brasil ainda melhor”, Sérgio Guerra é apresentado com um elogio de Gilberto Freire, “um intelectual que sabe agir”. Vamos à sabedoria do presidente dos tucanos, primeiro no improviso: Jeferson, PMN, PSC são importantes; vamos botar o brasil nos trilhos; a eleição só depende de nós, da nossa unidade.
Começa a ler: momento histórico; significado histórico; as condições melhoraram, reconhecemos; como vamos avançar? quem tem condições? Em sã consciência, verdadeiramente, só Serra (só Serra?), representante da nossa história, intelectual de brilho mundial (intelectual de brilho mundial?), leitura obrigatória (leitura obrigatória?), estudou em Cornwell, em Cambridge; impressionante liderança no congresso; marca de nunca vacilar (marca de nunca vacilar?); prefeito de SP, capital economica e cultural (capital cultural?), a maior de todas as cidades nordestinas; nunca foi personalista (nunca foi personalista?). Arca de Noé?
Os ataques começam: avançar com Serra ou seguir com improviso? Com quem cometeu equívocos no passado; mera auxiliar administrativa; desconhecida; passado de insensatez, desvario, desequilíbrio, dada a aventuras irracionais?
Ao fim, para deixar claro: vamos respeitar os adversários; a oposição teve papel central nos avanços do país. E, pra encerrar, quase um apelo: Brasil deve ser o país de todos nós.
Volta a loira, agora a apresentar Rodrigo Maia, que sapeca, legítimo representante da cultura e da civilização os riscos: a natureza dos nossos adversários; a liberdade de expressão; seríamos hoje uma nova Venezuela; a ruptura no direito de propriedade; dividir o país; a política externa de caprichos presidênciais.
E comemora a maior vitória da oposição, nas suas sábias palavras: acabar com a CPMF. Prossegue esclarecendo: medida provisória é igual a decreto lei da ditadura; fabricação de candidata; devemos a FHC o Brasil que vivemos; Brasil avançou como nunca: taí o celular; Serra não se contenta com o bom, quer o ótimo.
De novo a mestre de cerimônia saúda “um dos mais brilhantes líderes da esquerda brasileira”, Roberto Freire, que começa se elogiando e diferenciando da adversária: longe do desespero e do voluntarismo, lutamos no exílio para isolar e derrotar a ditadura. E passa ao de sempre, criticar o pior governo que este país já teve: pouca ousadia e conservadorismo do governo, apesar de admitir que conquistas existem, são inegáveis; idolatria do facismo; país exige mudanças; nem anti, nem pós, não vamos voltar ao passado, vamos pro futuro. O Brasil pode mais com Serra presidente. Arca de Noé.
O maior e mais baixo do tucanos é chamado ao púlpito, como o cara que colocou “o Brasil no rumo do desenvolvimento”. Na platéia, idolatria a FHC, apitos, aplausos. Sim, ele tem admiradores. E os ilumina com “palavras simples, mas fundamentais”, segundo o menos humilde da espécie Ramphastos tucanus: Serra é o construtor do futuro; líder democrático…
De repente, a platéia vai ao delírio, o próprio FHC estranha, até ser seguro por trás por Aécio Neves, que chega no meio do discurso do papa dos tucanos, e escolhe subir pelo lado que o obriga a atravessar todo o palco. Platéia grita "vice, vice".
FHC continua, sobre seu candidato: capaz de produzir a união; Serra mudou SP; Rodoanel, 2 linhas de metrô; Serra candidato, Aécio futuro; revolução na educação, não só na infraestrutura; velocidade tucana; olhar esbugalhado sempre teve, mas a alma brasileira dele é derramada, não é assim fechada como parece; sabe reconhecer os avanços; dar emprego à população; o Brasil cansou; arrogância, desrespeito à lei; chegou a hora, a hora é agora, a hora é do Serra.
Fora da ordem natural tucana, é a vez do menino maluquinho discursar em nome dos governadores e ex governadores. Talvez por não ter acompanhado os discursos anteriores, talvez querendo ajudar a criar clima pra quem deveria ser a estrela, Aécio fez discurso de candidato, bem arrumado: este é um ato definitivo pro país; unidade, estamos preparados para discutir futuro, presente e se quiserem, o passado.
Disparando: negaram voto a Tancredo; negaram a constituição; não estiveram com Itamar; com FHC, a mais fecunda mudança, o real, eles foram contra; votaram contra lei de responsabilidade fiscal; contra as privatizações; contra iniciativas de dona Ruth. Derrapa ao falar em rodízio natural do poder (tucanos não costumam olhar para o prórpio rabo, deprende-se), irrita tucanos ao dizer que lula tem virtudes, mas leva a platéia ao delírio ao dizer que Lula manteve inalterada política econômica, avalizando governo FHC. Prossegue: Serra, um governo que avance mais; estarei ao seu lado a partir de Minas (silêncio), com o papel que me for incumbido (delírio da platéia: vice, vice), e um pouco mais pra frente, a partir das montanhas de minas (esfria a platéia novamente).
E lá vem ele, finalmente, com essa levantada de ânimo que o Aécio fez e… propõe 1 minuto de silêncio em homenagem à vítimas no Rio. Pra deixar claro qual é a sua, faz a saudação à interminável de presentes, inclusive a “membros do corpo diplomático”. Com a platéia sob controle, nas mãos, começa sua mais de 1 hora de fala: vim falar do meu amor pelo brasil; com ajuda de deus e a força do povo brasileiro; o Brasil pode mais. Se engana: arrancamos o direito de votar, na maior mobilização da história (Diretas já! foi derrotado, lembram?). Relativiza FHC e Lula: tudo é resultado de 25 anos; não temos problema com nosso passado; mas há muito o que fazer; o Brasil pode ser muito mais do que é hoje.
Prossegue, enfadonho: apreço pela democracia representativa, jamais afrontá-la; acessibilidade para 20 milhões de deficientes; não aceito o nós contra eles; Fat criado por projeto nosso, assim como a vinculação de recursos na saúde; quase unanimidade na aprovação das propostas.
Nova citação aos ilustres PSC, PMN e Roberto Jeferson; fala em patriotismo ao inves de preferência partidária. Começa a falar da Mooca...e demora a terminar. Se confunde com os Jatenes, dizendo que é de Rondônia (a platéia falava de Simão, do Pará, ex governador, Serra, de Adib, ex ministro da Saúde, que é do Acre, aliás, criador da CPMF).
Piada pronta: mandei construir um muro… no rodoanel, com o nome dos trabalhadores, para quando passarem por ali... Os trabalhadores são os construtores do país; os milhões de filhos do Brasil (sim, é ao Lula que ele se refere).
E não esquenta nem acaba nunca o discurso: carteira de escola não de partido político; turbinar escolas técnicas; ensino de qualidade com preços moderados (ôpa! Como assim? Preços moderados? Não era de ensino público e gratuito que ele falava?) Passou rapidamente pela saúde. Foi pra segurança...: ninguém prega estado mínimo; combate ao tráfico cabe ao governo federal.
Denuncia: narcotráfico escondido atrás da política; falsa oposição entre construir escolas e presídios; os aeroportos vivem à beira do caos; o PIB poderia ser o dobro (o dobro?); vejam o custo de transporte da soja por tonelada, sabe quanto custa? (os tucanos no palco não sabem e se esforçam para se acostumar com semelhantes arroubos do enfim candidato); inadequação econômica, vertiginoso aumento da relação custeio/PIB, sideral sei lá o quê…pra falar da economia, déficit, desequilibrio fiscal.
É de imaginar o alívio da platéia quando encontrou um momento de aplaudir e forçar o candidato a encaminhar o discurso para um fim, apesar da insistência de Serra em continuar a falar enquanto o clima era de final de convenção.
Aí, melhoraram a escolha musical: o jingle Serra é do bem.
Titanic.
Do Blog do Josias:
Aplaude daqui, fotografa dali, Serra foi à tribuna. Serviu aos ouvintes um balde de água gelada.
Disse o que lhe cabia dizer. Mas falou demais. E imprimiu à fala um ritmo de sala de aula, não de pré-convenção. Aqui e ali, como nas platéias domesticadas dos programas de auditório, ouviram-se palmas.
Citou segurança, saúde e educação. Pelo menos em duas dessas áreas, segurança e educação, o governador Serra produziu em, São Paulo, índices que não socorrem o presidenciável Serra.

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